“Aconteceu da mísera e mesquinha, que
despois de ser morta foi Rainha. ”
(Luís de Camões)
"Agora é
tarde, Inês é morta!" A expressão, tantas vezes ouvida e repetida, tem
origem em um romance que se perde no tempo, entre Dom Pedro, de Portugal,
herdeiro da Coroa e filho de Dom Afonso, e Inês de Castro, filha bastarda de um
notável cavaleiro galego, primo de Dom Pedro, com a
portuguesa Aldonza Suárez de Valladares.
Dom
Pedro não consegue se furtar a casar-se com Constança, em união arranjada.
Entretanto, apaixona-se pela bela Inês, de loiros cabelos e olhos verdes.
Morta Dona
Constança, o romance que era mantido às escondidas passa a ser aberto e morarem
os amantes na companhia um do outro.
Contrário à união, Dom
Afonso decide pela morte da amante do filho. Em
1355 foi degolada Inês (diz-se, na frente de seus filhos, netos do rei) e seu
corpo fora levado à igreja de Santa Clara.
Dom
Pedro revolta-se. Dois anos mais tarde, quando morre Dom Afonso IV, Dom Pedro I,
em uma de suas primeiras decisões, extradita, para o país de origem deles, dois
dos responsáveis pela morte de Inês. Segundo o mito, um teve o coração
arrancado pelo peito, o outro, teve o órgão retirado pelas costas. O terceiro nobre
português, corresponsável pela morte de Inês, foge para a França.
A lenda
propaga que Pedro determinou que a ossada de Inês fosse retirada do túmulo,
limpada e remontada. Posta no trono, promoveu o novo rei o beija-a-mão e o
coroamento do cadáver. Também conta-se que dispusera o seu túmulo e o de sua
amada, no referido mosteiro, com as lápides postas não lado a lado, mas pé com
pé, para que, chegado o juízo final, pudessem acordar olhando, cada qual, um nos
olhos do outro.
De
certo temos que o corpo de Inês foi trasladado a uma bela lápide, construída no
Mosteiro de Alcobaça, em 1361, que leva a inscrição de que teria sido morta
como rainha. D. Pedro I, a despeito de ter ou não coroado o corpo defunto
revelara, em 1360, ter-se casado secretamente com ela. São verdadeiros a bela estátua
erguida em homenagem à rainha, e as grandiosas exéquias promovidas pela ocasião
do transporte do corpo.
Assim,
Inês é conhecida como a rainha que o foi depois de morta.
Diversas
versões foram propaladas, mantendo-se o fundo da história e da lenda. Uma dessas
narrativas é a contada por Camões, nos Lusíadas (vide recorte do texto, logo
abaixo, grifado).
Dos
relatos consultados, o que entendo fidedigno é o narrado por Antony C. Bezerra,
Mestre e doutorando em Teoria da literatura pela Universidade Federal de
Pernambuco e Professor de Literatura portuguesa e Literatura da língua inglesa
na Universidade Salgado de Oliveira, em Recife, disponível em http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=511.
A
VERSÃO DE CAMÕES EM OS LUSÍADAS:
«Passada
esta tão prospera vitória,
Tornado
Afonso à Lusitana terra,
A
se lograr da paz com tanta glória
Quanta
soube ganhar na dura guerra,
O caso triste, e dino
da memória
Que do sepulcro os
homens desenterra.
Aconteceu da mísera e
mesquinha
Que despois de ser
morta foi Rainha.
«Tu
só, tu, poro Amor, com força crua,
Que
os corações humanos tanto obriga,
Deste
causa à molesta morte sua,
Como
se fora pérfida inimiga.
Se
dizem, fero Amor, que a sede tua
Nem
com lágrimas tristes se mitiga,
É
porque queres, áspero e tirano,
Tuas
aras banhar em sangue humano.
«Estavas,
linda lnês, posta em sossego,
De
teus anos colhendo doce fruto,
Naquele
engano da alma, ledo e cego,
Que
a Fortuna não deixa durar muito,
Nos
saüdosos campos do Mondego,
De
teus fermosos olhos nunca enxuto,
Aos
montes ensinando e às ervinhas
O
nome que no peito escrito tinhas.
«Do
teu Príncipe ali te respondiam
As
lembranças que na alma lhe moravam,
Que
sempre ante seus olhos te traziam,
Quando
dos teus fermosos se apartavam;
De
noite, em doces sonhos que mentiam,
De
dia, em pensamentos que voavam;
E
quanto, enfim, cuidava e quanto via
Eram
tudo memórias de alegria.
«De
outras belas senhoras e Princesas
Os
desejados tálamos enjeita,
Que
tudo, enfim, tu, puro amor, desprezas
Quando
um gesto suave te sujeita.
Vendo
estas namoradas estranhezas,
O velho pai sesudo,
que respeita
O
murmurar do povo e a fantasia
Do filho, que casar-se
não queria,
«Tirar Inês ao mundo determina,
Por lhe tirar o filho
que tem preso,
Crendo co sangue só da
morte indina
Matar do firme amor o
fogo aceso.
Que furor consentiu que
a espada fina
Que pôde sustentar o
grande peso
Do
furor Mauro, fosse alevantada
Contra üa fraca dama
delicada?
«Traziam-a
os horríficos algozes
Ante
o Rei, já movido a piedade;
Mas
o povo, com falsas e ferozes
Razões,
à morte crua o persuade.
Ela,
com tristes e piedosas vozes,
Saídas
só da mágoa e saüdade
Do seu Príncipe e
filhos, que deixava,
Que
mais que a própria morte a magoava,
«Pera
o céu cristalino alevantando,
Com
lágrimas, os olhos piedosos
(Os
olhos, porque as mãos lhe estava atando
Um
dos duros ministros rigorosos);
E
despois nos mininos atentando,
Que
tão queridos tinha e tão mimosos,
Cuja
orfindade como mãe temia,
Pera
o avô cruel assi dizia:
«Se
já nas brutas feras, cuja mente
Natura
fez cruel de nascimento,
E
nas aves agrestes, que somente
Nas
rapinas aéreas têm o intento,
Com
pequenas crianças viu a gente
Terem
tão piadoso sentimento
Como
co a mãe de Nino já mostraram,
E
cos irmãos que Roma edificaram:
«Ó
tu, que tens de humano o gesto e o peito
(Se
de humano é matar üa donzela,
Fraca
e sem força, só por ter subjeito
O
coração a quem soube vencê-la),
A estas criancinhas tem
respeito,
Pois
o não tens à morte escura dela;
Mova-te
a piedade sua e minha,
Pois
te não move a culpa que não tinha.
«E
se, vencendo a Maura resistência,
A
morte sabes dar com fogo e ferro,
Sabe
também dar vida com clemência
A
quem pera perdê-la não fez erro.
Mas,
se to assi merece esta inocência,
Põe-me
em perpétuo e mísero desterro,
Na
Cítia fria ou lá na Líbia ardente,
Onde
em lágrimas viva eternamente.
«Põe-me
onde se use toda a feridade,
Entre
liões e tigres, e verei
Se
neles achar posso a piedade
Que
entre peitos humanos não achei.
Ali,
co amor intrínseco e vontade
Naquele
por quem mouro, criarei
Estas
relíquias suas, que aqui viste,
Que
refrigério sejam da mãe triste.»
Queria
perdoar-lhe o Rei benino,
Movido
das palavras que o magoam;
Mas
o pertinaz povo e seu destino
(Que
desta sorte o quis) lhe não perdoam.
Arrancam
das espadas de aço fino
Os
que por bom tal feito ali apregoam.
Contra
üa dama, ó peitos carniceiros,
Feros
vos amostrais - e cavaleiros?
«Qual
contra a linda moça Policena,
Consolação
extrema da mãe velha,
Porque
a sombra de Aquiles a condena,
Co
ferro o duro Pirro se aparelha;
Mas
ela, os olhos com que o ar serena
(Bem
como paciente e mansa ovelha)
Na
mísera mãe postos, que endoudece,
Ao
duro sacrifício se oferece:
«Tais
contra Inês os brutos matadores,
No
colo de alabastro, que sustinha
As obras com que Amor
matou de amores
Aquele que despois a
fez Rainha,
As
espadas banhando, e as brancas flores,
Que
ela dos olhos seus regadas tinha,
Se
encarniçavam, férvidos e irosos
No
futuro castigo não cuidosos.
«Bem
puderas, ó Sol, da vista destes,
Teus
raios apartar aquele dia,
Como
da seva mesa de Tiestes,
Quando
os filhos por mão de Atreu comia!
Vós,
ó côncavos vales, que pudestes
A
voz extrema ouvir da boca fria,
O
nome do seu Pedro, que lhe ouvistes,
Por
muito grande espaço repetistes!
«Assi
como a bonina, que cortada
Antes
do tempo foi, cândida e bela,
Sendo
das mãos lacivas maltratada
Da
minina que a trouxe na capela,
O
cheiro traz perdido e a cor murchada:
Tal está, morta, a
pálida donzela,
Secas
do rosto as rosas e perdida
A
branca e viva cor, co a doce vida.
«As
filhas do Mondego a morte escura
Longo
tempo chorando memoraram,
E,
por memória eterna, em fonte pura
As
lágrimas choradas transformaram.
O
nome lhe puseram, que inda dura,
Dos
amores de Inês, que ali passaram.
Vede
que fresca fonte rega as flores,
Que
lágrimas são a água e o nome Amores!
«Não correu muito tempo que a vingança
Não visse Pedro das mortais
feridas,
Que, em tomando do
Reino a governança,
A tomou dos fugidos
homicidas;
Do
outro Pedro cruíssimo os alcança,
Que
ambos, imigos das humanas vidas,
O
concerto fizeram, duro e injusto,
Que
com Lépido e António fez Augusto.
«Este,
castigador foi rigoroso
De
latrocínios, mortes e adultérios;
Fazer
nos maus cruezas, fero e iroso,
Eram
os seus mais certos refrigérios.
As
cidades guardando, justiçoso,
De
todos os soberbos vitupérios,
Mais
ladrões, castigando, à morte deu,
Que
o vagabundo Alcides ou Teseu.
Um fato historico incrível!
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