Napoleão Mendes de Almeida, no
aclamado Dicionário de Questões
Vernáculas, discorre por sete páginas - de letras miúdas -, indignado com o
tratamento dado à nossa pobre língua: “...irá
reduzir a língua portuguesa no Brasil, daqui a umas duas ou três gerações, ao
nível do linguajar das cozinheiras de hoje”, profetizava, com acerto.
Já em seu tempo o “aumento de
escolaridade” significava “diminuição de ensino” e “criar vagas”, “reduzir
horas de escola”. O que diria da aprovação automática?
O texto remete, a certa altura e...
exemplificando, que “Os jovens viciados em ver televisão aprendem desde cedo a cartilha da violência, tornam-se incapazes de raciocinar, de redigir a frase mais simples”. O ensino em seu tempo, comparado ao de hoje, era excelência. O raciocinar e o redigir declinaram a tal ponto que sequer os verbos sabem os alunos conjugar. O que dizer do conhecimento do infinitivo?
exemplificando, que “Os jovens viciados em ver televisão aprendem desde cedo a cartilha da violência, tornam-se incapazes de raciocinar, de redigir a frase mais simples”. O ensino em seu tempo, comparado ao de hoje, era excelência. O raciocinar e o redigir declinaram a tal ponto que sequer os verbos sabem os alunos conjugar. O que dizer do conhecimento do infinitivo?
Ficaram suas palavras, sua lição,
que reproduzo. Para concursos, para os estudantes, os redatores e mais quantos tiverem
dúvidas, sempre haverá utilidade.
Se com a internet se perde, com a
internet se pode, igualmente, encontrar: pessoas, amigos, conhecimento.
Bom proveito!
O INFINITIVO PESSOAL. NAPOLEÃO MENDES DE ALMEIDA
De certo tempo para cá a “última
flor do Lácio” vem-se transformando no Brasil em “última escória do latim”. Da
borra linguística resultante da expansão mais do que da decadência do império
romano, borra que se depositou no fundo do tacho da península ibérica, duas
línguas ainda se formaram e chegaram com os séculos a ter suas gramáticas. Não
tiveram, porém, os dois últimos rebentos o mesmo tratamento; enquanto nossa
irmã gêmea se cultivava e preservava da praga do analfabetismo, nossa pobre
língua encontrava terreno sáfaro e desprotegido; nossa gramática se formou, mas
cheia de exceções, repleta de equivalências, ou melhor, de divergências
sintáticas, de criações e, a um tempo, de reduções, de esquecimentos, de
confusões. Se as espanhas se reproduziram, uma gramática se fixou para dar-lhes
cidadania, enquanto a língua portuguesa no Brasil vem, desde o passamento de
Rui Barbosa, sendo tratada com incúria cada vez maior e, dessa incúria, o fatal
desprestígio de sua gramática.
Se na América do Sul o mais
adiantado dos pequenos países de língua espanhola teve um Sarmiento a fundar
mais de mil escolas em seis anos de presidência (1868-1874), o único país de
língua portuguesa tinha, sessenta anos depois, dentro da mais adiantada de suas
províncias, somente três escolas de nível médio (o ginásio estadual da Várzea
do Carmo), na capital, e dois outros ginásios estaduais em cidades do
interior); só em 1936 foi criado o quarto ginásio estadual, em Piraju, para
agradar o chefe político da região. Se naquele país o analfabetismo era de 18
por cento ao tempo em que o nosso superava 50, hoje, com toda a “mobralização”
que nos preocupa, andamos, ao que dizem, na casa dos 20 quando aquele país tem
apenas 2.
Em nossa terra, onde “aumento de
escolaridade” passou a ser sinônimo de “diminuição de ensino”, onde “criar
vagas” é o mesmo que “reduzir horas de escola”, a gramática, armação do
edifício da língua de um povo, tinha de ser minada nos seus alicerces. Os
ex-alunos do antigo ginásio da Várzea do Carmo aprendem de seus netos que no
Brasil não existe língua senão linguística, que nossa língua não deve ter
gramática senão livros de leitura, que nosso idioma não se propaga por regras
senão por fichas, que seu conhecimento não se revela por redação senão por
testes. Gramática é para inglês, é para francês, é para italiano, é para
espanhol; para português, não.
Com esse derrotismo não é de
admirar a pusilanimidade de enfrentar certos problemas da nossa língua,
mormente quando peculiares a ela, como o da pessoalização do infinitivo, ou
seja, da conjugação do infinitivo de acordo com a pessoa do sujeito. Por que
dizer “A tendência dos modernos estudiosos da língua é reconhecer que não há
regras fixas e definitivas a propósito do assunto”? Ora! Sejamos mais sinceros
e digamos: A conjugação do infinitivo é a maior prova de putrefação do nosso
idioma ou, para maior suavidade, é consequência de confusão com o futuro do
subjuntivo ou, ainda mais delicadamente, é resultante necessária da falta de
escolas. Se em nenhum outro idioma provindo do latim o infinitivo é conjugado,
como dizer que precisamos conjugar o infinitivo no nosso?
Clássicos nossos houve que,
escrevendo em espanhol. Flexionaram o infinitivo, mas o espanhol cortou o mal a
tempo, sem dar atenção a argumentos insustentáveis de “eufonia”, de
“estilística”, de “ênfase”. Que procedimento é este de não ver eufonia em nossa
língua nos mesmos passos existentes em línguas irmãs? Se com a maior
naturalidade lemos uma passagem como “Voltemos atrás para INDAGAR um pouco das
manhas e feitos do leigo”, por que não aceitar como certo “Preferimos odío para não CAIR logo a seguir em comerceio, remedeio”? Por que não
aceitar como certo “A linguagem é o meio de que dispomos para, através das
palavras, EXPRIMIR o nosso pensamento”?
Se compreendermos o “só” que
inicia a regra de Frederico Diez, chegaremos à conclusão de que foi um alemão
quem mais soube até agora notar o problema: “Só se flexiona o infinitivo quando
é possível ser substituído por uma forma verbal, sendo indiferente que esse
infinitivo tenha sujeito próprio ou não”. O “só” que inicia a regra de Diez é
justificativa da flexão e não imperativo que nos obrigue a flexionar o
infinitivo sempre que seja conversível numa forma verbal; é como uma “desculpa”
da distração, uma “escusa” da confusão com o futuro do subjuntivo.
Não flexionemos o infinitivo
quando nenhuma necessidade virmos de o conjugar: “Curvam-se para BEIJAR a
fímbria da sua estringe” – “Preparavam-se para MORRER” – “Precisávamos cavar o
chão para OBTER água” – “Cometeram tais atrocidades para AGRADAR aos chefes” –
“Grandes razões para CONVENCER-nos têm VV.SS.” – “Já tivemos oportunidade de
REFERIR-nos” – “Obrigai-nos a CONFESSAR que sois amigos dos brasileiros” –
“Obrigando-os por via de tormento a RESTITUIR aquilo que tinham ocupado” –
“Convidam os homens a PRESERVAR na continuação do pecado” – “Forçou os inimigos
a FUGIR” – “Pela capacidade em que ficam para VIVER foram da prisão – “Não
temos tempo nem papel para TRATAR do assunto” – “A linguagem é o meio de que
dispomos para, através de palavras, EXPRIMIR o nosso pensamento”.
É igualmente desprezível o
argumento de que “o flexionamento serve de insistir na pessoa do sujeito”; como
insistir na pessoa do sujeito se a primeira e a terceira do singular têm a
mesma forma do infinitivo impessoal? A inconsistência do argumento faz lembrar
a dos que diziam que a pronúncia “amamos” distingue o passado do presente
“amamos”; que distinção é essa se na segunda conjugação não é necessária e na
terceira é de todo impraticável?
Uma coisa é gramática, que aceita
os fatos e procura agrupá-los para maior e mais fácil divulgação, outra é fazer
considerações fugidias, como essas de “estilística”, de “ênfase”, de
“subjetivismo”, de “seleção”, de “insistência na pessoa do sujeito”,
considerações que nada ensinam, que nenhuma orientação oferecem a estrangeiros
ou a filhos nossos que se põem a estudar a nossa língua.
A) Sempre fizemos eco à afirmação
de nossos mestres de que a flexão do infinitivo é fato exclusivo do português:
“Gerado na língua esse maravilhoso lusitanismo, um dos privilégios mais
invejáveis do nosso idioma” (Rui Barbosa) – mas essa afirmação está a merecer
reparos; continuamos a sustentar que a pessoalização do infinitivo em português
é a mais convincente prova de deteriorização do nosso idioma; sustentamo-lo e
vemo-lo cada dia mais reforçado diante das inteiramente infundadas, levianas,
inconscientes flexões do nosso infinitivo. De jornais lidos estes dias temos
estas inconveniências de flexão: “...quando viram os brasileiros chegarem em suas caravelas” – “Cabe aos
psiquiatras julgarem” – “Acusados de prepararem boletins considerados
subversivos” – “...dando às minorias o pleno direito de se organizarem e de manifestar
seus pontos de vista” (fechando os olhos para os “pontos de vista”, olhemos
para o organizarem, flexionado, e
logo a seguir para o manifestar, não
flexionado).
Esta incongruência como aquelas
flexões são provas encontráveis diariamente em trechos de redatores apressados,
de prosadores descuidados. Nesses exemplos não cabe justificativa nem de
clareza nem de harmonia, nem de precisão nem, muito menos, de economia de
expressão, coo se dá no húngaro, onde o infinitivo se flexiona de forma
obrigatória, precisa e concisa, com um
objetivo gramaticalmente determinado de que não se pode fugir. Se não, vejamos
esta lição de Dom Gabriel Irossi, grande linguista húngaro.
Opera-se em húngaro a flexão do
infinitivo com certos verbos, que chamaremos impessoais, formados de adjetivo,
como “é preciso”, “é bom”, “é aconselhável”, “é perigoso” etc. Tomemos por
exemplo kell, que significa “é
preciso”; ele é impessoal; corresponde à terceira pessoa do singular dos verbos
impessoais portugueses; ele vai funcionar numa locução verbal – suponhamos “é
preciso ir” – como auxiliar, e a forma da ideia principal – em nosso exemplo o
infinitivo “ir” – é que irá flexionar-se para indicar a pessoa do sujeito. O
verbo ir é em húngaro menni, onde temos o radical men acrescido da desinência do
infinitivo ni. Menni kell significa,
portanto, “é preciso ir”.
Pois bem: aqui vem a flexão do
infinitivo húngaro: Para dizer “é preciso eu ir”, “é preciso tu ires”, “é
preciso ele ir” etc., a desinência ni
do infinitivo é mudada por desinências correspondentes aos sujeitos, e temos,
para cada uma das pessoas gramaticais: mennem
kell (ir eu é preciso), menned kell (ires
tu é preciso), mennie kell (ir ele é
preciso), mennunk kell (irmos nós é
preciso), mennetek kell (irdes vós é
preciso), mennuk kell (irem eles é
preciso).
Esse comportamento da língua
húngara não permite que continuemos a afirmar constituir a flexão do infinitivo
fato exclusivo da língua portuguesa. A distinção, repetimos, está em ela ser
fato real, obrigatório, com significação e finalidade precisas na língua
húngara, e procedimento muitas vezes leviano e sem a necessária determinação
flexional do sujeito em português; tanto assim é que a forma da primeira pessoa
é em nossa língua idêntica à do infinitivo impessoal e, ainda mais, a terceira
do singular é idêntica à primeira.
Acompanhemos mais um pouco o
padre Gabriel Irossy. Como em outras línguas, formas há em húngaro que se
prestam para indicar o substantivo e o verbo. Zar é “fechadura” e também
“ele fecha” (os verbos em húngaro são citados na terceira do sing. do id.
pres.). É tão caraterizado o húngaro pelas desinências, que o possessivo do substantivo
é indicado por flexão: zárom –
fechadura minha / zárod – fechadura
tua / zára – fechadura dele / zárunk – fechadura nossa / zárotok – fechadura vossa / záruk – fechadura deles.
Se a forma verbal zar é “objetiva”, isto é, referente ao
sujeito e ao objeto, tem ela uma flexão (ind. Pres.): zárom - zárod – zárja –
zárjuk – zárjátok – zárják.
Se a conjugação é “subjetiva”,
isto é, referente ao sujeito como em outras línguas, o presente do indicativo
tem estas flexões: zárok – zársz – zár –
zárunk – zártok – zárnak.
E o infinitivo, quando seguido de
adjetivo que indique “é preciso”, “é bom”, “é aconselhável”, “é perigoso” etc.,
será: zárnom – zárnod – zárnia – zárnunk
– zárnotok – zárniuk.
Cremos ter transmitido ao leitor,
com fidelidade e clareza, a explicação do mestre húngaro do quanto são em sua
língua caraterísticas as desinências pessoais. Temos em português, é verdade, a
pessoalização do infinitivo, mas ocorre em outras circunstâncias que tentaremos
expor a seguir.
B) É verdadeiramente
desconcertante para o professor de português o problema da flexão do infinitivo
pessoal; tropeços enormes encontram-se para a própria exposição e explanação do
assunto, e maiores ainda para a fixação, não dizemos de regras, mas de normas
que possam guiar o leitor. Tal a barafunda de certas gramáticas, que o leitor
chega a conclusões desesperadoras e, muitas vezes, falsas e nocivas, como esta:
“Observadas tão somente as exigências da clareza e da eufonia, o emprego do infinitivo
é facultativo”.
Por mais escabrosa, no entanto,
iremos explicar, procurando ser o mais possível claro e sintético, esta árida e
árdua questão.
Há duas espécies de infinitivos:
o impessoal e o pessoal. O impessoal é o infinitivo puro, é a forma nominal
essencialmente substantiva do verbo; é inflexível. O PESSOAL é o infinitivo
empregado com referência a um sujeito e – aqui nasce a dificuldade – em
português ora não é flexionado e se confunde com o impessoal. Quando
flexionado, assim se conjuga: por ter
eu - por teres tu – por ter ele – por termos nós – por terdes
vós – por terem eles.
Fizemos anteceder as diferentes
flexões do infinitivo da preposição por
para evitar confusão com o futuro do subjuntivo, confusão de que, às vezes, nem
todos sabem furtar-se; quando tiver,
quando tiveres, quando tiver, quando tivermos, quando tiverdes,
quando tiverem. Todos sabemos que
somente nos verbos regulares as flexões do infinitivo pessoal são idênticas às
do futuro do subjuntivo.
A flexão do infinitivo é notada nos
mais antigos documentos da literatura lusa. Gil Vicene cometeu o erro de
escrever em espanhol: “Teneis gran razon
de llorardes vuestro mal” (Obras, II, 71). Alguns poetas do Cancioneiro
Geral caíram no mesmo engano. Camões, que muito escreveu em espanhol, foi
sempre correto.
Três vantagens temos na correta
flexão do infinitivo: clareza na expressão do pensamento, pois a flexão sempre
evidencia o sujeito; beleza, uma vez que a pessoalização do infinitivo oferece
ao escritor mais largo ensejo para variar e colorir o estilo, dando mais
ensanchas à linguagem; concisão, que sempre se encontra em subordinadas
reduzidas.
Foi Soares Barbosa o primeiro
gramático que tentou regular o problema da flexão do infinitivo, formulando os
dois seguintes princípios (Gramática Filosófica, 1803):
1. Flexiona-se o infinitivo quando tem ele sujeito próprio, diverso do
sujeito do verbo regente; não se flexiona quando os sujeitos são idênticos.
Em resumo:
Sujeito próprio – flexiona-se
Sujeito idêntico – não se flexiona
Exemplos: Declaramos (nós) estarem (eles) prontos – Ouvi (eu) chamarem-se os amigos – Julgo (eu) poderes (tu) com isso – Assinei (eu) o
“Estado” para proporcionar (eu) a
meus filhos oportunidade de lerem (eles) artigos interessantes – Solicitamos
(nós) não deixarem V.Sas., de comprar
(V.Sas.) – Envio-lhe esta carta, que peço (eu) assinarem e devolverem
(eles) – Solicitamos (nós) o obséquio de enviarem
(V.Sas.)...
Outros exemplos: Peço aos meus
amigos o obséquio de não entrarem – É
louvável o desejo de aprenderem –
Anima-nos a esperança de triunfarmos
– Referi-m e à intenção de partirem –
Só me cabe aplaudir a resolução de amparardes
os pobres.
Em todos esses exemplos da
primeira parte da regra de Soares Barbosa há sujeitos de infinitivos diferentes
dos sujeitos dos verbos ou expressões de que dependem esses infinitivos.
Vejamos agora exemplos da segunda
parte da regra, em que os infinitivos não são flexinados por terem sujeito
idêntico ao do verbo de que esses infinitivos dependem: Declaramos (nós) estar (nós) prontos – Declararam (eles) estar (eles) prontos – Julga (tu) poder (tu) com isso – Julgo (eu) poder (eu) com isso – Temos (nós) o
prazer de lhe participar – Tivemos
(nós) a honra de informar – Eles
tinham a certeza de triunfar – Tinham
necessidade de tudo declarar – Ficam
com liberdade de movimentar-se.
2. Continua Soares Barbosa: Flexiona-se ainda o infinitivo quando
empregado como sujeito, predicado, ou complemento de alguma preposição, em
sentido não já abstrato, vago, mas concreto, determinado – isto é, quando o
infinitivo é empregado não em significação geral, universal, mas em referência
a determinado, a especificado sujeito.
Exemplos em que o infinitivo é sujeito: O louvares-me tu me causa novidade – Lutarmos é o nosso dever – Não é necessário pedires-me tu isso – Santificares-te
e fazeres o bem deve ser teu lema – O
falares dessa maneira prejudicará o
negócio – Sirva-nos de lenitivo à derrota o termos
resistido com coragem – Era de crer que o seguirmos,
os membros do segundo, a lição... – Bem custoso seria resistirem os inimigos a Tarik – Não é possível assaltarem esses perversos o arraial –
Cumpre avisares Ruderico – É pouco
provável resistirem os jovens à prova
– Nem é menos de ver no meio do mar saírem
as águas e o fogo juntamente das nuvens – É certo terem partido os navios – Não é de prudência dizerem-se tais coisas publicamente – Não compete a vocês queixarem-se de nós – Como nos havia de
ser defeso recorrermos para a mesma
serventia – Viu-se ao longe, para a banda das serranias, resplandecerem as cumiadas das montanhas.
Exemplos em que o infinitivo faz parte do predicado: Nada mais
supreendente do que verem-na
desaparecer – Os trabalhadores que acontecia passarem por ali.
Exemplos em que o infinitivo é complemento de alguma preposição ou
locução prepositiva: Os maus, com se louvarem,
não deixam de o ser – Em virtude de estarem
entrando os despachos de setembro – A maneira de os alunos estudarem as lições – Eles, os homens, para se desculparem – As flores, além de constituírem matéria-prima – É tempo de partires.
C) Observe-se que: 1. Nos
exemplos da segunda regra de Soares Barbosa os infinitivos pessoalizados
determinam, concretizam o verbo com relação ao sujeito, o que não aconteceria
se viessem não flexionados: Fácil é vencer
– Lutar é o nosso dever.
2. Corolário evidente desta
segunda regra é o princípio: Não se flexiona o infinitivo quando, empregado
como sujeito ou predicado ou complemento de alguma preposição, é tomado em
sentido vago ou não necessita, para clareza, de flexão indicativa do sujeito:
Imaginavam que seguir metáforas é descabeçar adágios – Pede-se aos
senhores passageiros a fineza de, ao entrar
ou sair, fechar as portas do
elevador.
3. Pode-se seguramente afirmar:
Também quando objeto o infinitivo se flexiona, quando empregado em sentido
determinado e quando necessária a flexão para determinação do sujeito:
Perdoe-te o céu o haveres-me
enganado.
D) Ótimas seriam as duas regras
de Soares Barbosa, se esses somente fossem os casos de emprego do infinitivo: tanto
não são elas completas que Camões, como todos os clássicos e modernos
representantes de nossas letras, apresenta exemplos que a elas não se adaptam.
Camões escreveu: “Folgarás de veres”
– construção que contraria a primeira regra de Soares Barbosa, pois os sujeitos
são idênticos (Folgarás – tu – de veres – tu). Bernardes escreveu: “Que traça
dariam para todavia comerem até
fartar-se?” – onde, não obstante serem idênticos os sujeitos, o infinitivo está
flexionado. Castilho redigiu: “Assaz mostraste seres cabal...” – flexionando o infinitivo, quando o sujeito é o
mesmo do verbo mostraste: tu.
E) Aparece então outra regra,
trinta e três anos depois da de Soares Barbosa, formulada por Frederico Diez
(pronuncie dilz), em sua “Grammatik der Tomanischen Sprachen” (Gramática das
Línguas Românicas – 1836-1844), procurando justificar exemplos e mais exemplos:
“Só se flexiona o infinitivo
quando é possível ser substituído por uma forma modal, sendo indiferente que
esse infinitivo tenha sujeito próprio ou não”: Alegram-se por terem visto o pai (alegram-se porque viram) - Afirmo terem chegado os navios (que chegaram) - Que mal te fiz eu, ó meu Deus, para não me deixares (para que não me deixes) –
Deviam persegui-lo sem descanso nem tréguas até o cativarem (até que o cativassem) – Ficaram feridos até conseguirem reaver (até que conseguissem reaver) – Que traça
dariam para todavia comerem até
fartar-se? (para que comessem) – Que
também esses se ergam para pelejarem
batalhas tremendas (para que pelejem)
– Guarda-o para o empregares melhor
(para que o empregues) – Trabalha, meu filho, para agradarem tuas obras a Deus (para que agradem) – Leis que se fazem para se não cumprirem (para que não se
cumpram) – A cidade de Goa não queria largar seus ossos para se trasladarem à de Lisboa (para que se
trasladassem) 0 Grandes razões para
nos convencerem têm V.Sas. (para que nos convençam) – Sem que tal circunstância obrigue os amigos a efetuarem (a que efetuem) – O governo obrigou as fábricas a produzirem (a que produzissem)
– Temíamos por sermos homens (porque éramos homens) – Já tivemos
oportunidade de nos referirmos (de que nos referíssemos).
Para terminar a série de
exemplos: Acreditando tu não me teres
ofendido (que não me ofendeste). A
redação “Acreditando tu não me ter
ofendido” traria sentido reflexivo ao verbo ofender,
fazendo supor seu sujeito a primeira pessoa: “... não me ter (eu) ofendido” –
quando não é esse o sentido que o autor quer dar à frase. A flexão aí se impõe,
já por ser conversível a forma nominal em forma modal, já por a exigir a
clareza. Vejamos estoutro exemplo de Herculano: “Os dois dias que me pediste
para chorares o teu cativeiro” (para que chorasses); a não flexão do
infinitivo não evidenciaria com precisão o sujeito.
F) Uma observação se impõe à
regra do filólogo alemão, pois precisamos compreender o “só” que a inicia: A
regra é justificativa da flexão e não imperativo que nos obrigue a flexionar o
infinitivo sempre que seja conversível numa forma modal. Achando um autor que o
infinitivo, embora conversível numa forma modal, nenhuma necessidade sofre de
flexionar-se, pode deixá-lo não flexionado: “Curvam-se para beijar a fímbria da sua estringe” – “Preparavam-se
para morrer” – Precisávamos cavar o
chão para obter água” – “Cometeram
tais atrocidades para agradar aos chefes”
– “Grandes razões para convencer-nos
têm V.Sas.” – “Já tivemos oportunidade de referir-nos”
– “Obrigai-nos a confessar que sois
amigos dos brasileiros” – “Obrigando-os por via de tormento a restituir aquilo que tinham ocupado” –
“Convidam os homens a perseverar na
continuação do pecado” – “Forçou os inimigos a fugir”.
Confrontando as regras de Soares
Barbosa com a de Diez, pode o leitor fazer estas considerações:
G) 1. É interessante notar que
Diez encarou o problema por faces inteiramente diferentes.
2. A nova regra vem justificar
grande número de legítimos exemplos que não se amoldavam às regras de Soares
Barbosa: “Folgarás de veres” (de que
vejas) – “Mostraste seres cabal” (que
és cabal) - "Que traça
dariam para todavia comerem...?”
(para que comessem).
Quer isso dizer que, ao mesmo
tempo que esclarece o assunto, vem chocar-se com a regra de Soares Barbosa,
pois justifica a possibilidade da flexão do infinitivo em casos em que os
sujeitos são idênticos.
3. Mesmo chocando-se numa parte,
esclarece, por outra, o problema, servindo ambas de “fio condutor no labirinto
do uso clássico do infinitivo flexionado”.
H) Ficam ainda essas duas normas
aquém dos fatos, os quais, em grande variedade e incerteza, não se subordinam à
disciplina gramatical. Contra a teoria de Soares Barbosa insurgem a cada passo
fatos de incontestável vernaculidade clássica, muitos dos quais vão igualmente
fazer rosto ao eminente gramático alemão. Por exemplo: “Não nos deixeis cair em
tentação” - “Deixai vir a mim os pequeninos” – “Fazei-os sentar” – são construções em que os
infinitivos cair, vir, sentar
têm sujeito próprio (vão, pois, contra a
regra de Soares Barbosa), e podem ser substituídos por formas modais
(contrariando, dessa forma, ao mesmo tempo, a regra de Diez).
Notemos, ainda, exemplos como
estes: “Alguns mancebos mais destros fingiam acometer-se, pelejarem, vencerem, serem vencidos” (Herculano) –
“Assaz mostraste seres cabal para dizer
verdades” (Castilho). Os infinitivos acometer
e dizer tinham os mesmos motivos que
os outros (pelejarem, vencerem, serem
– para o primeiro exemplo – e seres,
para o segundo) para se flexionarem. De semelhante liberdade encontramos
frequentes exemplos nos clássicos.
Vê, pois, o leitor a insuficiência
das duas regras tradicionais sobre o assunto; daí a necessidade de outras
normas que expliquem e convenientemente justifiquem exemplos que contrariam os
dois citados mestres.
I) LOCUÇÃO VERBAL – 1. Deve o
leitor aceitar que as regras dos eminentes mestres são, antes de regras,
justificativas da pessoalização do infinitivo. No caso de serem idênticos os sujeitos, devemos recorrer à forma
flexionada somente quando o exigir a clareza.
Inútil e, conseguintemente, errada será a flexão toda vez que o infinitivo
formar com o verbo subordinante uma locução verbal, isto é, quando o
infinitivo vier intimamente subordinado ao verbo de que depende.
Construções como: Desejamos comprarmos livros – Desejando V. Sas. comprarem livros – Lamentamos não podermos - Estão merecendo serem – Acham-se em mau estado, devendo serem substituídas – Esperando sermos
atendidos – são construções inteiramente obtusas; nelas os infinitivos
tornam-se como partes essenciais do verbo de que dependem, como, mutatis
mutandis, os termos que concorrem para a formação de uma locução adverbial: É
tudo um só verbo e, por conseguinte, só o primeiro se flexiona. Os infinitivos comprar (para os dois primeiros
exemplos), poder (para o terceiro) e ser (para os três últimos) dependem,
intrinsecamente, das formas verbais desejamos,
desejando, lamentamos, estão merecendo, devendo, esperando.
2. Entram no rol das locuções
verbais exemplos como estes: “Tinham muito com que se alegrar” – “Tiveram bastante com que se ocupar” – Há nesses exemplos elipse do verbo poder, que forma com o infinitivo da oração a locução verbal:
“Tinham muito com que se (pudessem) alegrar” – “Tiveram bastante com que se
(pudessem) ocupar”.
Quando tem o mesmo sujeito do
verbo subordinante, o infinitivo não necessita flexionar-se se nenhuma exigência houver para a clareza.
Se é fácil, pelo menos PR ora, notar que são obtusas construções como
“desejamos comprarmos”, “lamentamos não podermos”, “devem serem atendidos”,
“deveriam compreenderem”, “irão logo serem atendidos”, pode escapar-nos a
inconveniência da flexão do infinitivo em passagens como estoutras: “gastam
cerca de quatro horas para FAZEREM o percurso”, “tinham muito com que se
OCUPAREM”. Nem naquele nem neste passo o infinitivo – ainda que conversível em
modo finito (justificativa de Frederico Diez) – necessita flexionar-se, dada a
existência de um único sujeito.
Outros exemplos – todos tirados
de jornais – aqui transcritos sem a injustificável pessoalização do infinitivo:
“...mas estão totalmente equivocados ao PENSAR que podem criar problemas” –
“...médicos que são imprecisos ao EXPRESSAR os diagnósticos” – “...e vão mais
longe ao AFIRMAR que...” – “Bons governadores e diretores que se prezam de o
SER devem...” – “Encontram-se eles em condições de EQUIPAR os veículos com
rádios transmissores e de MONTAR uma central de comunicação” – “Ficaram
impedidos de ATRAVESSAR a rua” – “...pelas empresas estatais impedidas de
REALIZAR aumento de capital por subscrição pública” – “...missionários
proibidos de ASSISTIR índios” – “...empresas interessadas em EMPREITAR serviços
de transporte por ônibus”.
O abuso da flexão chega a
parecer-nos que o redator julga cometer erro de concordância se não pluralizar
o infinitivo; nada disso; o erro está em não saber ele o que é infinitivo e em
não conhecer as poucas regrinhas a que se subordina sua flexão.
J) ORAÇÃO INFINITIVO-LATINA –
Quando o infinitivo juntamente com o seu sujeito (quer realmente expresso, quer
substituído pelo correspondente pronome oblíquo) constituem oração infinitivo-latina,
o infinitivo é empregado na forma não flexionada, não obstante as regras dos
dois mestres: “Não nos deixeis cair
em tentação”.
Vê o leitor que essa construção
não se enquadra nas normas de Soares Barbosa (são diferentes os sujeitos) nem
na de Frederico Diez (o infinitivo é conversível numa forma modal: Não deixeis
que caiamos); não obstante, é tal construção legítima e usual: Fazei-os parar – Os raios matutinos faziam alvejar os turbantes – Viram desaparecer os godos – Vendo (ele) voltear ante si as imagens risonhas do
opróbrio – Mandou-os o Senhor pregar
pelo mundo – Que nem no fundo os deixa estar
seguros – Deixai vir a mim os
pequeninos – Napoleão viu seus batalhões cair
– Vi os navios que partiam desaparecer
no horizonte – Vejamos do ar cair as
nuvens e as neves.
Rara e excecionalmente aparece a
forma flexionada, como nestas passagens do Poeta: “E verão mais os dois amantes
míseros ficarem na férvida e
implacábil espessura” – “Que eu vos prometo, filha, que vejais esquecerem-se gregos e romanos pelos ilustres feitos”. Mas todos nós sabemos o
que está na Arte Poética (9, 10): Aos poetas tudo é permitido.
“Não deixe os outros ENTRAR” –
assim se diz, e não: “Não deixe os
outros entrarem”. Quando se apresenta um infinitivo (entrar) com sujeito próprio
(os outros), dependente de um verbo (deixe) que tem outro sujeito (você), o
infinitivo não se flexiona. Outros exemplos: Mandei os meninos SAIR – Ouvi as
cornetas TOCAR – Senti duas pedras BATER em mim – Vi os homens DESCARREGAR o
material – Fazia os alunos COPIAR as perguntas – Deixemos os garotos BRINCAR.
A ordem dos termos de orações
assim construídas (a construção tem o nome de sujeito acusativo e opera-se com os verbos deixar, fazer, mandar, ouvr, sentir, ver) não impede que sigamos
esse cuidado de não pessoalizar o infinitivo: “Deixai VIR a mim os pequeninos”
(o sujeito – pequeninos – está
posposto ao infinitivo) – “Não nos deixeis CAIR em tentação” (o sujeito – nos –
está anteposto ao primeiro verbo).
Tampouco impede sigamos a correta
impessoalização do infinitivo o vir o sujeito expresso por pronome oblíquo
acusativo, como acabamos de ver na Oração do Senhor; outros exemplos: Fi-los
ESCREVER – Mandaram-nos SAIR – Senti-os ADORMECER – Vejamo-los PARTIR – Não os
ouvimos CANTAR. Fugir desse procedimento em orações de sujeito acusativo
(também chamadas orações infinitivo-latinas) é demonstrar falta de estudo de
gramática ou, pelo menos, de leitura de quem sabe escrever.
Num jornal encontramos: “Os
policiais destacados para o primeiro posto paulista da Fernão Dias ficam apenas
observando os caminhões PASSAREM com excesso de peso, sem PODER fazer nada”.
Quando errou o noticiarista? Ao
flexionar passar ou ao não flexionar poder?
Sempre que na ocorrência de
dúvida de flexão do infinitivo notarmos que nenhuma necessidade há para clareza
de pessoalização, deixemo-lo invariável. Com a naturalidade com que não
flexionou poder, podia e devia ter o
jornalista redigido “observando os caminhões passar”, por ser oração infinitivo-latina, ou por outra, oração com
sujeito acusativo: o infinitivo permanece invariável: “mandei-os sair”, “fi-los trabalhar”, “vi os meninos correr
e desaparecer” e “deixai os
pequeninos vir até mim”, “não nos
deixeis cair em tentação”,
“observando os caminhões passar”.
Quando nas orações infinitivo-latinas
em que o sujeito é expresso por um oblíquo o infinitivo for constituído de
verbo pronominal, manda a eufonia (a eufonia é decorrência do uso) que não se
empregue o oblíquo do pronominal. Assim é que não dizemos: “Fazendo-nos sentar-nos junto de si” nem,
“Fazendo-nos sentarmo-nos”
(construção arrepiante), mas, simplesmente: “Fazendo-nos sentar”.
Ouçamos para o caso o professor
Álvaro Guerra: “De boa sintaxe, pois, são os seguintes torneios de elocução:
“Faz-me recordar do passado” – “Fez-te arrepender dos teus crimes” – “Fazia-nos curvar ante a sua majestade” – em
vez de: “Faz-me recordar-me do passado” - “Fez-te
arrepender-te” etc. A duplicação do
pronome átono, em tais expressões, evita-se simplesmente por eufonia. A mesma
sintaxe, aliás, se nos oferece com os verbos mandar, deixar, ver, ouvir etc., quando, conjugados ou não, regem
um infinitivo em idênticas condições: “Mandou-nos sentar” – “Deixou-nos
levantar” – “Viu-nos deitar” –
“Ouviu-nos queixar da sorte” – “Ele
não nos deixará enganar”.
Embora somente o pronome reto
deva funcionar como sujeito, há esse caso em que o oblíquo desempenha essa
função. Tal se dá em orações em que entram os verbos deixar, fazer, mandar, ouvir, sentir e ver quando esses verbos têm, como objetos, outros verbos no
infinitivo: “O médico fê-LA andar” – “Mandei-O entrar” – “Deixaram-ME sentar”.
Não é intenção de quem diz “Vi um
homem morrer” declarar que “viu um homem” mas, sim e unicamente, que “viu morrer”; morrer é que é o objeto de viu.
“Mandei o menino assobiar, cantar e, finalmente, sair” – é oração em que se atribuem ao
verbo mandar diversos objetos,
constituídos pelos infinitivos assobiar, cantar
e sair, dando-se-lhes um mesmo
sujeito: menino.
Substituindo-se, em qualquer
construção semelhante à dos exemplos acima, o sujeito do infinitivo pelo
correspondente pronome pessoal, este irá aparecer na forma oblíqua: vi-o morrer, mandei-o assobiar.
Outro exemplo de sujeito
acusativo temos em orações como “Maria deixou-se ficar”. Aqui o se é realmente sujeito, mas sujeito
acusativo, ou seja, sujeito de um infinitivo; tem função etimologicamente
certa, que não pode ser confundida com a profligada “função francesa do se”. 406
Pelo fato de nessas orações
aparecer na forma oblíqua acusativa o pronome, não nos devemos deixar enganar
na sua análise; o “o”, o “La”, o “me”, o “se” dos exemplos dados não são
objetos diretos; objeto direto do verbo principal é toda a oração infinitiva,
juntamente com o respectivo sujeito no caso acusativo. Tais sentenças nossas
constituem legítimos exemplos de orações
infinitivo-latinas.
Não somente sentenças nossas
poderemos apresentar dessa construção latina, mas – hoje facilmente
compreensíveis para muitos – sentenças inglesas, e em número maior porque o
inglês a emprega com mais verbos que o português. A diferença está no seguinte:
Enquanto as crianças de língua inglesa aprendem e fixam desde os mais tenros
anos a construção “He wants me to
tell you that...” (Ele manda-me dizer-lhe que...), nós com desanimadora
frequência ouvimos “ele manda eu
dizer...”, “mandei ela sair”. Se
falta de escolas é realidade entre nós, desprezo de gramática é realidade da
“língua brasileira”.
“Forçam os jovens a pensar antes
de promover desordens” – assim estava no jornal, e o redator merece elogios por
não ter flexionado nenhum dos dois infinitivos. De fato: a) não pessoalizou o
primeiro (pensar) porque forçar é dos verbos portugueses que
exigem a antes do infinitivo (GR.
METÓDICA, § 683, 4, e) e, pois, jovens continua sendo sujeito acusativo
(§ 926); b) não pessoalizou o segundo (promover)
porque tem sujeito claro, é o mesmo do verbo anterior (METÓDICA, § 921, obs.):
Obriguei-os a estudar antes de partir para as férias – Convidamo-los a vir até nosso escritório antes de tomar qualquer decisão.
Outro deve ter sido o redator que
no mesmo jornal, e com a mesma naturalidade, atirou-nos este solecismo: “Como
poderão o congresso e o presidente trabalharem juntos?” Sim, senhor; a que
atrocidades estamos sujeitos: eles
poderão trabalharem, nós vamos cuidarmos, devemos pensarmos... E dizer que
houve quem reclamasse de nossa conclusão publicada anos atrás: “A conjugação do
infinitivo é a maior prova da putrefação do nosso idioma ou, para maior
suavidade, é consequência de confusão com o futuro do subjuntivo ou, ainda mais
delicadamente, é resultante necessária da falta de escolas”.
K) 1. PREPOSIÇÃO E INFINITIVO –
1) Quando o infinitivo, juntamente com a preposição a, equivale ou a um particípio
presente latino (Flores a recender
cheiros – flores recendentes) ou a um
gerúndio (Andavam a entrar-lhe por casa – andavam entrando), usa-se a forma não
flexionada: Seculares a desfrutar
cinco ou seis abadias – Flores a recender
cheiros vários – E tu a reprovar – Os
santos a pregar pobreza, a persuadir-lhe humildade – Todos
trabalhavam , mas uns a construir,
outros a destruir – Nós a esclarecer o assunto, vós a simplesmente negar - ... um epicentro de crise institucional, com ondas a se propagar pelo resto do país.
2. Mesmo que o infinitivo regido
da preposição a constitua complemento
de substantivo ou de adjetivo, emprega-se, de preferência, a forma não
flexionada: Destinados a conseguir
grandes coisas – Fadados a passar –
Tendentes a submeter – Condenados a pagar pesada multa.
A mesma preferência tem o
infinitivo não flexionado quando constitui complemento de substantivo ou de
adjetivo, qualquer que seja a preposição: Estâncias de propósito fabricadas para hospedar os peregrinos –
Penas para escrever cartas – Instrumentos
para lavrar a terra – Desejosos de
alcançar vitória - Olhos cansados de
a chorar – O direito que nos cabe
de ser ciosos de nosso idioma.
Preparados para SOFRER – Assim devemos dizer, sem flexionar, por
completamente desnecessário, o infinitivo: “Avisados para partir de madrugada, cuidaram de dormir cedo”. Nem beleza nem
clareza existem na pessoalização de infinitivos dependentes de particípios já
pluralizados: cansados de sofrer,
ansiosos por chegar, destinados a conseguir grandes coisas, fadados a não passar, inclinados a desenhar, preocupados com deixar tudo em ordem, penalizados por ver tanta desgraça, empenhados em socorrer as vítimas.
Acusados de ESTAR – É outro exemplo de completa desnecessidade de
flexionar o infinitivo. Qualquer que
seja a preposição, o infinitivo não deve vir flexionado quando complemento de
substantivo, de adjetivo, de particípio (grifei): fadados a MORRER –
enviados para IMPEDIR o alastramento da doença – desejosos de ALCANÇAR –
cansados de PEDIR – Cabe-nos o direito de RECLAMAR – duros de ROER – cartas por
ESCREVER.
A pessoalização do infinitivo dos
nossos verbos, fenômeno gramatical de procedência duvidosa, deve limitar-se aos
casos de real necessidade de evidenciar, de identificar, de indicar o sujeito,
e não subordinar-se a caprichos de estilo. “Os jovens viciados em ver televisão
aprendem desde cedo a cartilha da violência, tornam-se incapazes de RACIOCINAR,
de REDIGIR a frase mais simples” – é a construção portuguesa, limpa da
extravagante e tola flexão dos infinitivos.
“Temos liberdade de CONSERVAR o
processo seletivo” – “Temos capacidade de EXERCER nosso mister” – “Somos
capazes de ENFRENTAR a situação”: Onde a necessidade de flexionar o infinitivo?
Ante a falta de escolas, ou melhor, de professores que se deem ao trabalho de
preservar a última flor do Lácio, longe não estamos da construção “nós vamos
esforçarmo-nos”, “devemos fazermos”, “vão todos plantarem batatas”.
Estradas difíceis de PASSAR – Também
não se flexiona o infinitivo que, complemento de substantivo ou de adjetivo,
tem sentido passivo (grifei): Ossos duros de ROER – Cartas por
ESCREVER. Nem Soares Barbosa nem Frederico Diez nem ninguém encontraria
justificação para a pluralização do infinitivo nesse caso.
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L) POSIÇÃO – DISTÂNCIA – Quando um infinitivo preposicionado precede
ao verbo regente ou quando, quer preposicionado quer não, vem distanciado do
verbo regente, a clareza permite a flexão mesmo no caso de serem idênticos os
sujeitos (grifei).
Exemplos de infinitivo
preposicionado antes do verbo regente: Para se consolarem, os infelizes dormiam tranquilos – Na expectativa de sermos atendidos, muito lhe agradecemos.
Exemplos de infinitivo
distanciado: Possas tu, descendente
maldito de uma tribo de nobres guerreiros, implorando cruéis forasteiros seres presa de vis aimorés – Deviam-no trazer todos vocês nas palmas, dar
mil graças aos céus, e acabarem de
crer – Foram dois amigos à casa de
outro a fim de passarem as horas da sesta – Viam-se
lampejar as armas nos visos dos dois
últimos outeiros que por aquela parte rodeavam o campo, e agitarem-se ondas de vultos humanos e sumirem-se, onda após onda – As aves aquáticas redemoinhavam nos
ares ou pousavam sobre as águas, e pareciam,
nos voos incertos, ora vagarosos, ora rápidos, folgarem com os primeiros dias da estação.
Vê o leitor que a intercalação de
palavras ou frases entre o verbo subordinante e o infinitivo pode causar a
flexão: “Quando, na redação da frase, grande número de palavras mediam entre a
primeira e a segunda forma infinitiva, nem sempre fere o ouvido o supérfluo e
inconveniente da flexão a esta desnecessariamente impressa” (Rui). – Ao mesmo
tempo que permite, acha Rui desnecessária a flexão; o ouvido se esquece da
subordinação, e daí provém a supérflua e inconveniente flexão do infinitivo.
Vejamos mais este exemplo em que,
como em outros dados logo acima, o primeiro infinitivo, por vir próximo do
verbo subordinante, encontra-se na forma não flexionada, e estão flexionados os
outros infinitivos por se distanciarem do verbo subordinante: Praza a Deus que
Bolívar, San Martin, Nabuco e tantos outros continuem
a imitar os servos deste Novo Mundo, a prosseguirem
na sua marcha e a manterem vivo o
fogo... – Releiamos o exemplo sem flexionar os dois últimos infinitivos e
veremos que é realmente “supérflua e inconveniente” a flexão.
Repisemos o assunto: “Depois de
SERRAREM as grades e FAZER uma “Teresa” (corda com lençóis e camisas), oito
presos fugiram ontem de madrugada da cadeia de Itapecerica da Serra”.
Não conhecemos o delegado da
cidade paulista nem sabemos se ele ou outrem redigiu a notícia. Conquanto encontrável
a incoerência em autores de maior autoridade linguística do que policial, o
exemplo evidencia a insegurança e a um tempo a desnecessariedade da
concordância do primeiro infinitivo. Se também fazer se refere ao sujeito “presos” e nenhuma dificuldade de
compreensão traz na forma impessoalizada, por que flexionar o primeiro
infinitivo?
Nesta segunda notícia – pelo menos
o delegado é outro – vemos agora dois infinitivos abusivamente flexionados: “Quinze
presos fugiram ontem de madrugada depois de DOMINAREM os dois carcereiros e
ENGANAREM a equipe de segurança externa do prédio”. Não cabe agora basear a
concordância do infinitivo no distanciamento do sujeito. Deem à flexão o nome
de distração, de esquecimento, até mesmo de erro; não tentem porém justificá-la
com o afastamento do agente da ação verbal: infinitivo não é bola que se chute
de acordo com a distância.
M) PARECER – Tanto podemos dizer “Eles parecem estar doentes” como “Eles parece estarem doentes”.
No primeiro caso (Eles parecem estar doentes) o verbo parecer está empregado como verbo de
ligação, sendo seu predicativo “estar doentes”: Eles (sujeito) parecem
(v. de ligação) estar doentes
(predicativo).
No segundo caso (Eles parece estarem doentes) o verbo parecer está empregado intransitivamente,
isto é, com sentido completo, e é seu sujeito “estarem doentes” – equivalendo a
oração a “Estarem eles doentes parece” ou “Que eles estão doentes parece”.
O verbo parecer, pois, quando o
sujeito da oração está no plural, faculta estas duas construções: 1. Eles
parecem estar doentes – 2. Eles parece estarem doentes. Nada, portanto, deverá
estranhar-nos a flexão do infinitivo quando o verbo parecer estiver no
singular, nem a não flexão do infinitivo quando o verbo parecer vier no plural: Escudos que os compridos saios de malha pareciam tornar inúteis – Que pareciam desprezar as tribos berberes –
Que parece entoarem-lhes já o hino da
morte – Lanças que parecia encaminharem-se
– Os quais lhes pareceu dirigirem-se
para os lados do célebre mosteiro – Tais condições me parecia reunirem-se.
N) EXCLAMAÇÕES E INTERROGAÇÕES –
Nas exclamações e nas interrogações o uso do infinitivo flexionado mostra que
se quer referir a ação em especial a certo sujeito: Tu, Hermengarda, recordares-te? - Assassinares uma fraca mulher!
O) ADVERTÊNCIA – Não confundamos o infinitivo pessoal com o
futuro do subjuntivo (grifei); em “Ganharemos se merecermos” não existe infinito mas futuro do subjuntivo. A
confusão diminui, ou melhor, desaparece
quando o verbo é dos irregulares que trazem essas formas verbais diferentes;
prestam-se, por isso, para a verificação do real tempo empregado: “Ganharemos
se fizermos (jamais fazermos) dois pontos” – o que demonstra
ser futuro do subjuntivo e não infinitivo o merecermos
do primeiro período.
Se confrontarmos o infinitivo
pessoal com o futuro do subjuntivo dos
verbos regulares e de muitos irregulares, notaremos haver igualdade de flexão.
Infinitivo pessoal: amar, amares, amar,
amarmos, amardes, amarem. Futuro do subjuntivo: amar, amares, amar, amarmos,
amardes, amarem. Não se dá o mesmo com
uns tantos verbos irregulares; fazer,
p.ex., conjuga-se no infinitivo pessoal: fazer,
fazeres, fazer, fazermos, fazerdes, fazerem, mas no futuro do subjuntivo as
formas são: quando eu fizer, fizeres,
fizer, fizermos, fizerdes, fizerem, porque este tempo se origina da
terceira pessoa do plural do pretérito perfeito, mediante supressão do am final: fizer(am). O futuro do
subjuntivo do verbo ver, à diferença
do infinitivo pessoal (ver, veres, ver,
vermos, verdes, verem), é: quando eu vir,
quando tu vires, quando ele vir, quando nós virmos, quando vós virdes,
quando eles virem. Provém de vir(am).
(459, n. 1, ao pé da pág.).
Se a confusão é difícil em tais
poucos verbos irregulares, torna-se ela fácil nos demais verbos. Somente essa
confusão explica o erro destas duas construções, encontrada a primeira em
título de artigo de jornal, a segunda em prefácio de livro de latim: “... renda
de quem recolhê-la na fonte” – “...
se a geração de agora limitar-se ao
estritamente essencial”. Em ambas o pronome está mal colocado; o futuro do
subjuntivo, como o do indicativo, não permite a posposição do oblíquo; é erro
igual a dizer “de quem fizé-las”, “quando pusé-las de lado”, “se disser-te
outra vez”.
Se a primeira das construções
mais acima citadas foi redigida por quem fez curso de jornalismo, e a segunda
por quem se laureou em letras clássicas, como aceitar a “inutilidade da
gramática”? A andar nesse passo, a tal de “linguística” que certos professores
se puseram agora a propagar em nossas escolas irá reduzir a língua portuguesa
no Brasil, daqui a umas duas ou três gerações, ao nível do linguajar das
cozinheiras de hoje.
P) – CONCLUSÃO – Devemos limitar
a flexão do infinitivo aos casos de real necessidade de identificação do seu
sujeito. Não verificada essa necessidade, deixemos intacto o infinitivo: O
ministro exorta os bancos a correr
riscos compatíveis com a sua envergadura – Esforçam-se por fazer o máximo – Convidamo-los a assistir ao casamento – Preparados para enfrentar a situação – Faça-os ficar
quietos.
Menos erra quem não flexiona um
infinitivo do que quem na dúvida se arremete a fazê-lo. “Distância”, “esquecimento”
são desculpas para construções como esta de um editorial: “... os desabrigados,
muitos dos quais tiveram de dormir ao relento depois de HAVEREM perdido um dia
de trabalho”. O sujeito é um só e foi já enunciado; não se pode aceitar o
pretexto de “clareza” para a flexão; é por outro lado inconversível o
infinitivo em modo finito. Redijamos sem medo: “Tivemos de engolir a peta
depois de OUVIR a resposta”.
O abuso cada vez maior da
pessoalização do infinitivo é uma das várias provas da contínua deteriorização
do nosso idioma e da insegurança de sua sintaxe para a expressão do pensamento.
O próprio Soares Barbosa abriu a
comporta para o chorrilho de pessoalizações ao incluir na segunda parte de sua
regra o infinitivo posposto a uma preposição como pretexto para a flexão; o
exemplo do editorial passa a ter sua justificação, mas a ninguém deve então causar
estranheza este aviso de porteiro de prédio: “Pede-se aos senhores passageiros
a fineza de, ao ENTRAREM ou SAÍREM, FECHAREM as portas do elevador”.
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Maria da Gloria Perez Delgado Sanches
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